QUELUZ, A NOSSA GÁLIA...


Quando penso na minha terra, nunca penso no local onde nasci, acidentalmente, a mais de 5000 quilómetros daqui, lá no Marrere, no meio do mato, numa missão católica, nos arredores de Nampula, no norte de Moçambique...a minha terra, desde os sete meses de vida, e com algumas idas e vindas, é Queluz! Hoje cidade, assoberbada pelos problemas todos que caracterizam as regiões suburbanas ao redor das grandes cidades, já foi uma vila pacata, com o seu magnífico "petit Versailles", obra prima de meados do século XVIII, com apontamentos de barroco, rococó e neoclássico; na toponímia de Queluz está referido o Arquiteto-Mor: Mateus Vicente de Oliveira; não sei se existe alguma artéria Jean Baptiste Robillon, o escultor que tanto embelezou o nosso palácio, particularmente os seus jardins, e a nossa Escadaria dos Leões, onde muitos de nós nos enamorámos; já nos devolveram o azul e amarelo, aparentemente as cores originais do palácio, por troca com aquele rosa salmonado Estado Novo, e o Palácio reganhou encanto, pronto para receber novos pares de apaixonados...
Mas Queluz era muito mais...os Quatro Caminhos, coração comercial e social da nossa vila; a Estação de comboios, ponto de encontro de tudo o que era jovem e menos jovem; o Trinitá, cervejaria que acolheu gerações de "gauleses" no after-hours; a Quadriga, montra de dia para quem queria ver e ser visto; o Mina dos bilhares; o Zé Melão, dos matrecos e bilhares, mais tarde das acompanhantes, à medida de Queluz; o Parque da Conde Almeida Araújo, onde se fumaram (e fumam) milhões de ganzas; o Liceu, o pulsar da vida dos jovens de Queluz, a nossa casa, onde apenas não dormia-mos; na adolescência, quem me tirava Queluz, tirava-me tudo: só depois do ritual de passagem da inocência, só ponderava trocar os Algarves pela minha terra...a minha Gália!


Ninguém sabe como nasceu o epiteto; uns dizem que no Monte Abraão, outros no Bairro Económico; para mim, a Gália vai da Estação de Queluz-Belas, até ao Liceu, hoje Secundária Padre Alberto Neto, o nosso Padre Alberto, tragicamente desaparecido a 03 de julho de 1987, barbaramente assassinado, não se sabendo até hoje por quem...capelão do Rato, lutador antifascista, uma das mentes mais brilhantes com que me cruzei, professor que marcou as vidas de gerações, do Pedro Nunes a Queluz!
Lembro-me sempre, um ano ou dois antes do seu desaparecimento, de um encontro no paredão da Costa de Caparica: boina à Pedroto, mala a tiracolo, e bola debaixo de um braço e jornal homónimo no outro " onde vai, Padre Alberto? - vou até à fonte da Telha...divirtam-se, rapazes!"


Que maravilhosa infância e juventude na nossa Gália...dizem que o melhor carnaval do Mundo é no Rio? Mentira, era o do Liceu de Queluz: houve anos em que a escola fechou 10 dias antes do Entrudo...irredutíveis, barulhentos, galarós, charmosos, e sempre, sempre com medo que o céu nos caísse em cima, eram assim os gauleses.
Hoje tudo é diferente, nem sei se ainda existe este conceito dos gauleses; provavelmente, não...os queluzenses tem hoje raízes em muitos pontos do globo: nas nossas Africas, nas dos outros, no Paquistão e Bangladesh, na China...na Estação, já não há Bucha, Babaló ou Trinitá, quando muito uma loja de produtos africanos gerida por um chinês; já não temos clube (faliu!), apenas um sucedâneo e outro que deixo para falar detalhadamente um dia destes; já não tem o mesmo sabor morar e viver em Queluz, mas eu mais uns quantos, para além dos velhos que ainda resistem, tentamos manter vivo o espírito da Gália, na nossa Queluz...

Comentários

  1. isso tudo e muito mais e o que mantém a "Galia"

    ResponderExcluir
  2. Amigo Marco, apesar ser de outra geração gaulesa, revejo me em muitas das tuas palavras, concebido em QueluZ fui nascer no norte do país e nem com 2 meses regressei à nossa Gália, dificilmente me tiram daqui....viva a GÁLIA

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas